A expressão latina Navigium Isidis significa “Navegação de Ísis”, nome dado a uma festividade romana anual dedicada a essa divindade. Embora tenha sido uma deusa egípcia, Ísis tornou-se popular entre os gregos e chegou a Roma no período helenístico, acompanhada de seu culto e festividade, os quais integravam as chamadas religiões de mistério.
As celebrações incluíam o uso de máscaras para ocultar a identidade dos participantes, orgias públicas em nome do amor, embriaguez, mutilação de genitais, símbolos pagãos e, entre outras práticas, a utilização de grandes carros em forma de navios, que tomavam as ruas da cidade anunciando a chegada de Osíris, esposo de Ísis na mitologia egípcia [1]. Essa festividade, de caráter religiosamente sincrético e tolerante, não sofreu, em Roma, as mesmas perseguições que atingiram o cristianismo primitivo, pois este não era sincrético e adorava um único Deus.
Essa celebração prevaleceu no panteão romano até o século IV, quando o cristianismo foi declarado religião oficial do Império. A partir de então, o Navigium Isidis tornou-se uma prática proibida; no entanto, perpetuou-se clandestinamente até ser incorporada pela Igreja Católica Romana na Idade Média (após adaptações), passando a ser denominada Carnis Valles (latim: “prazeres da carne”), origem da palavra “carnaval” em português.
O carnaval consistia em um período de sete dias que antecedia a Carnis Levare (sem carne) ou Quaresma, os 40 dias que antecedem a Páscoa, sem contar os domingos. Durante esses sete dias, autorizados pela Igreja, as pessoas podiam se entregar intensamente aos prazeres da carne; porém, a Quaresma, iniciada pela Quarta-Feira de Cinzas, deveria ser respeitada com jejum, período em que a carne vermelha era proibida.
O carnaval chegou ao Brasil com os portugueses e foi rapidamente aceito, tornando-se, séculos depois, a festividade mais valorizada no país, caracterizada pela criatividade artesanal, carros alegóricos, mulheres seminuas e danças sensuais.
A palavra “carne” ocorre 262 vezes na Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento (basar ou sarx), e seus principais significados são: carne como alimento; constituição física do homem ou do animal; semelhança ou parentesco humano. No entanto, sobressai, especialmente no Novo Testamento, o sentido de desejo e práticas pecaminosas, ou seja, a existência humana em oposição à santidade de Deus, conforme destaca o apóstolo Paulo em Romanos 7:5; 8:7-8; 13:14 e Gálatas 5:19-21, bem como a Confissão de Fé de Westminster (capítulos I-1 e XIII-2). Os prazeres da carne, nesse sentido, nunca foram aceitos pelas Escrituras como prática dos verdadeiros cristãos.
Por que, como Igreja, não incentivamos a participação nas celebrações do carnaval? Embora suas origens religiosas tenham se dissipado ao longo do tempo, as práticas e motivações catalisadoras permanecem as mesmas. Trata-se de uma festividade de natureza historicamente religiosa, que promove idolatria e promiscuidade. Isso não significa que todos sigam esse caminho, mas sem o aspecto religioso, não há carnaval. Somos livres para fazer escolhas, mas nem tudo nos convém. Como Igreja, honramos única e exclusivamente o Deus Trino (Pai, Filho e Espírito Santo). Não somos contra festas ou contra a promoção da alegria, mas não podemos comungar com práticas que fomentem a idolatria, de qualquer forma, nem com a licenciosidade que desonre a santidade de Deus e não contribua para a nossa própria santificação.
Alguém poderia interpretar o carnaval como uma festa ingênua e sem motivação idólatra, mas isso não altera sua essência.
Rev. Ericson Martins
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[ 1 ] BAILE, 2006, p. 13-22 e 39; GONZÁLES, 2007, p. 27
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