A democracia é um sistema político que dá ao povo poderes de participação. Esta democracia é em parte positiva quando se trata da constituição de um país, mas associada a uma cultura como a brasileira pode representar um impasse a particular identidade de cada um. Creio que por influência das inúmeras novelas e ocupação insuficiente na esfera educacional e profissional, a cultura brasileira foi treinada a assistir a vida alheia e opinar sobre ela. Sofremos tanta pressão dos outros sobre o que devemos fazer da nossa vida que muitas vezes olhamos para trás e descobrimos que fomos projetados a ser quem não sonhamos ser. Sofremos com isto a solidão mesmo cercados de pessoas que amamos. Muitos pais ainda tentam reproduzir nos filhos os sucessos que eles não alcançaram; muitas decisões que deveriam ser tomadas por nós são substituídas por opiniões alheias porque tememos suas reações se negarmos obedecê-las; se queremos comprar algo que irá nos satisfazer o vendedor gastará seu tempo tentando nos convencer a comprar o que ele acha melhor; aceitamos muitos prejuízos e constrangimentos por temermos dizer "não" ao outro e acabamos sofrendo com tudo isto. O brasileiro tem grande desprendimento para se envolver com a história do outro, e isto é nobre até o limite que determina o espaço de cada um. A Bíblia diz que "cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus" (Rm 14:12) porque cada um é responsável moralmente por suas escolhas na vida. Com estas dificuldades, gradativamente nossa identidade vai se obscurecendo e confusos nos tornamos vulneráveis à infelicidade.
Tenho esperança que esta reflexão ajudará muitas pessoas que se sentem moralmente sobrecarregadas por pesos que não lhes pertencem, impostos por pressões da “maioria” e também por valores regidos pelo cego sistema de sociedade que exalta o ego enquanto se perde a alma por não enxergar o quanto poderia ser feliz simplesmente valorizando quem é e sua importância singular.
Identidade, segundo o Dicionário Aurélio, “é um substantivo feminino que significa conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa. É o aspecto coletivo de um conjunto de características pelas quais algo é definitivamente reconhecível, ou conhecido”. Nesta base conceitual, podemos parafrasear afirmando que identidade é o conjunto de características que torna uma pessoa especialmente única.
Certa vez, organizando os brinquedos de meu filho em seu cercadinho comecei a pensar como aqueles brinquedos poderiam influenciar na formação da sua personalidade, a partir daí refleti sobre vários assuntos e cheguei a pensar que saber quem somos e comunicar estas convicções através da nossa identidade hoje em dia é questionável. Se disser quem você é para um bancário, sua identidade será simplesmente questionável, é preciso provar através de um documento que você é você. Parece irônico, mas é isto mesmo. Temos que provar que não somos o "outro". O mundo criou pessoas com distintas identidades e chegou ao ponto de exigir comprovação sobre quem realmente são. Neste caso, o documento é mais confiável que a declaração verbal de quem somos. É comum ouvirmos dizer: "Sem documento você não é ninguém!". Sofremos tanto com auto-desvalorização que assumimos ser "ninguém" pelo simples fato de não possuirmos um documento, um emprego, por não avançar como gostaríamos nos estudos ou mesmo, conquistar êxito amoroso que escolhemos ter.
Um tema adquire melhor sentido quando embasado historicamente, pois a história lhe oferece a base conceitual e evolutiva, desta forma, legitimando-o. Nesta certeza, convido-o a refletir sobre Gênesis 1:26. Lemos Deus (Elohim) decidindo criar o homem ('adamah, "humanidade") conforme a Sua semelhança. A humanidade recebeu uma identidade que é a semelhança de Deus no caráter moral. Embora esta identidade não fosse uma semelhança perfeita de Deus (igualdade), Adão, na convicção de quem era, encontrou em Deus seu sentido existencial. O homem, antes de se envolver com o pecado, era visto como a imagem de Deus na terra. Se alguém o encontrasse conheceria quem é o Senhor e esta foi sua primeira missão: ser imagem de Deus pela sua semelhança a Ele.
No episódio que se aventurou desobedecer a Deus, Adão, ao pecar, viu a semelhança de Deus distanciar, desnudando a natureza humana, deixando-a sem referência moral em Deus. Isto revelou a incapacidade que o homem tem para solucionar sozinho o problema da culpa e vergonha (Gn 3:7, 21), crises de toda ordem (v. 8) e medos (v. 10). O pecado conduziu o homem a um cenário distante da referência que recebeu ao ser criado. A perda desta identidade está diretamente relacionada com o pecado. O instinto do homem culpado é fugir de Deus. A auto-justificação encontrou meios pelos quais o homem tenta compensar a distância que o pecado criou em sua alma em relação a Deus. Por mais que ele tente se esconder, sem as "coberturas", o que resta é a desfiguração do caráter moral do seu ser. Somente Deus, por intermédio de Seu Filho Jesus Cristo poderá resgatar esta identidade através da nossa restauração, ensinando-nos o valor que somos diante dEle; este processo redirecionará nossas vidas dando-nos a firmeza para resistir às tentações de desacreditar em nossa importância.
Com um vazio na alma, a humanidade passou a tentar cobrir sua nudez como Adão e Eva fizeram. Como cozeram folhas para se cobrirem, muitos hoje, para amortecer a dor da solidão e crise existencial, entram por vários caminhos, e como exemplos de alguns deles, estão os caminhos das drogas, alcoolismo, inveja, avareza e prostituição. Talvez estes caminhos nunca foram trilhados por você e nunca será, mas há algumas armadilhas potenciais que merecem especial atenção e quero compartilhá-las com você. Se não caiu nelas, te servirão de alerta o desafio de vencê-las quando se apresentarem. Leia-as com humildade diante do Senhor e mesmo que ninguém tome conhecimento dos seus sentimentos, olhe para o Senhor e ore, Ele é misericordioso, bondoso, suficientemente atencioso para te ouvir e recebê-lo em Seus braços.
1. Armadilha número um: As comparações
Pessoas podem ser diferentes e ter várias características em comum, mas o que torna alguém especialmente original e exclusivo, único no mundo, é justamente a maneira como essas características se combinam na sua formação. O processo desta formação se dá pelas bases sociais, particulares, emocionais e espirituais que recebem durante a vida. Posso ter uma característica similar a que você tem, mas ela nunca será igual pelas combinações que esta mesma característica tem em relação aos demais valores desenvolvidos em mim e que me faz ter interpretações diferentes da vida.
Desde que nascemos iniciamos uma persistente interação com o meio no qual estamos inseridos, justamente a partir desta interação, construímos não só o conceito de nossa identidade, mas também nossa inteligência, os limites das emoções e medos. A complexidade é tão grande que muitos evitam olhar para dentro dela a fim de encontrar sentido porque estão viciados a comparar-se com aquele ou aqueles que admiram. É mais cômodo comparar-se para concluir quem é do que descobrir a partir de uma reflexão claramente bíblica e sociológica. Penso que aí se dá o princípio das crises. Aqueles que arriscam entrar neste caminho (das comparações), só encontram frustrações. Guarde isto: toda comparação é injusta! A comparação tem o poder de nos convencer que somos inferiores e impõe sobre nós um padrão de status que nunca alcançaremos. Ela esmaga a identidade com o peso da auto-desvalorização. Ela cega e quem está amarrado nela não sabe para onde está se conduzindo. Isto é uma agressão contra o valor próprio, pois no fim o que a comparação busca é a comprovação de que não existimos, e sim, o "outro". Um imitar o outro, faz de todos um. As diferenças sempre existirão. Você nunca mudará isto. Ninguém é igual ao outro, nem mesmo os gêmeos.
“Durante toda a minha vida tenho tentado agradar a outros. Durante toda minha vida agi como os outros. Nunca mais farei isto ! Se eu perder meu tempo tentando ser outra pessoa, quem perderá tempo para ser eu ?” Byron Mickow
Temos um sistema de conceitos emocionais e emoções conceituais com respeito a nós mesmos, que constitui o próprio âmago de nossa personalidade. Esta é uma verdade que encontramos no texto de Provérbios 23:7: “Porque, como imagina em sua alma, assim ele é”. O modo como definimos olhar para nós mesmos irá definir o curso de nosso relacionamento conosco mesmo, com os outros e com Deus. Aprender aceitar-se não é contentar com suas fraquezas e erros, mas é aprender aceitar as características singulares que lhe pertencem. Contrariar este princípio afetará sua saúde emocional, mas aceitar provocará convicções tão firmes que lhe fará sentir-se muito mais feliz e disposto para resistir à tentação das imitações porque perceberá o quanto sua singularidade tem valor. Você aprende com os outros, mas imitá-los nunca fará parte de seus planos. Eu falo isto com liberdade de compartilhar uma crise a muitos anos atrás. Era ainda adolescente e me sentia o pior dos seres-humanos por causa do meu estereotipo. Não conseguia olhar para mim sem vergonha. Tentei fazer muitas mudanças para aproximar de um personagem televisivo que não era eu, mas nada resolvia aquela crise. Tudo o que conseguia mudar era o exterior, o interior continuava o mesmo. A sensação era que todos que eu encontrava olhavam-se sob a interpretação do ridículo e aceitava aquilo como verdade. Resultado: deprimi por me sentir incapaz e infeliz comigo mesmo. Quando aceitei que eu era único, amado por Deus e que possuía qualidades singulares, deixei de me comparar com os outros e descobri que estava fazendo um mal contra mim mesmo.
Quando não aceitamos quem somos com nossas reais limitações e não vemos o plano da nossa vida como sendo exclusivo a nós, nunca nos satisfazemos com aquilo que ganhamos, o trabalho que fazemos nunca será bom e os elogios sempre parecerão ser falsos. Muitas pessoas se sacrificam exageradamente para emagrecer buscando ser aceitas, sob pena de se sentirem ridiculosamente obesas; enquanto outras se esforçam contra a própria saúde para emagrecer quando já são magras na perspectiva de alcançar o modelo do momento. Muitos profissionais competentes jogam fora suas experiências e formações para fazer o que não lhes fazem felizes simplesmente pela oportunidade de ganhar mais. A angústia de obter significados externos sem controle tornou-se a mola propulsora de insignificados internos. É essencial assumir e aceitar quem somos para abandonar a corrida sem fim pelos padrões que não nos pertencem. A crise existencial se evidencia pela incansável busca do padrão que os outros exigem. A comparação tenta nos convencer a entrar neste ritmo freneticamente caótico de insignificados, gerando infelicidades e perda de direção na vida.
Você era você quando nasceu. Seus pais se orgulharam de você quando nasceu, quando não tinha condições de falar, fazer ou oferecer algo. Eles se alegravam pelo simples fato de ser você um filho. Deus olha para você assim. Ele não te avalia com base em outros ou na capacidade de Lhe oferecer alguma coisa.
Sua identidade é única. Você é inconfundível no meio da multidão. Não deixe a comparação determinar sua importância. É você mesmo quem deve descobrir. Quando acreditamos que somos importantes por sermos quem somos, não sentimos a necessidade de provar a ninguém e nem a nós mesmos. Assim desenvolvemos uma profunda consciência a nosso respeito e não nos deixamos levar pelas cobranças que os outros fazem através do êxito pessoal deles. Não olhe para o outro, olhe para você e descubra o quanto tem potencial para se desenvolver sem violentar seus sonhos e propósitos pessoais na vida. A partir de hoje, olhe no espelho e perceba sua beleza. Seja feliz por ser quem é.
2. Armadilha número dois: As falsas imprensões
De perto todo mundo é normal.
Intuitivamente muitos fazem exatamente esta pergunta com seus procedimentos: “Qual é a impressão que devo criar para ser aceito?" Quando deveria começar questionando "quem sou?”. É um absurdo constituir nossa identidade usando a imagem como base da nossa essência. A essência sem a imagem continua sendo essência, quando a imagem não existe sem a essência. A imagem é a comunicação da essência. A Bíblia diz que "Deus fez o homem à sua imagem, conforme a sua semelhança". A impressão do homem comunicava sua essência: semelhança de Deus. Após ser criado o homem, Deus disse: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn 1:28). Primeiro Ele disse "Sede", verbo "ser". A essência do homem era ser semelhante a Deus, esta foi sua primeira missão e é a nossa mais importante missão. Depois aparecem os verbos "multiplicar, encher, sujeitar e dominar". Um verbo exprime uma ação. Esta ação deveria ser resposta do ser. Adão era feliz em ser quem era em seu Criador e como manifestação de ser quem era o servia no Éden. Satanás, chamada pela Bíblia como a serpente mais sagaz, disse à mulher: "Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis..." (Gn 3:5). Ele inverteu o princípio que sustentava a identidade do homem. Primeiro ele instrui que para "ser" (semelhantes) eles deveriam "comer" (fazer). Segundo, ele tentou convencer Eva que somente pela desobediência às leis de Deus é que seriam plenos. A receita mentirosa que serviu de base para desfiguração da identidade do homem foi esta: "para ser, é preciso fazer". Ao atender o conselho de Satanás, o homem passou a conhecer (experimentar) o desencadeamento generalizado da corrupção.
O mundo é dominado por valores errados e sempre foi palco da luta entre o ser e o fazer. O descontrole de valores convenceu e ainda convence que fazer é mais importante que ser. Nesta realidade onde o fazer é mais importante, os sentimentos são trocados pelas aparências. Antes, quem queria ser culto comprava muitos livros e revistas; quem queria se sentir superior investia em bons carros; quem queria ser aceito se vestia igual aos atores das novelas; quem queria ser admirado como líder, tentava acumular certificados de todos os cursos possíveis, moldurava-os e anexava-os nas paredes. Como as condições estão cada vez mais difíceis economicamente, a busca pelo ter se tornou um privilégio de poucos e as pessoas descobriram que construir aparências é mais fácil e barato que ter. Então, quando um candidato a um emprego vai passar por uma entrevista ele se esforça em dar uma boa aparência e falar com eloqüência, quando o entrevistador está buscando provas nas aparências de sua competência. Ele acaba conseguindo o emprego pela aparência de competente. Sem definição da identidade, o homem em crise não consegue ver outra opção senão se esforçar parecer ser alguém que gostaria ser. Se sente importante porque tem um monte de livros em casa, um belo carro, uma bolsa da moda, um cargo de confiança... e acaba gastando a vida com frivolidades. Este mundo do parecer também é do perecer. Enquanto a maquiagem envelhece, se busca por uma nova. Parecer faz esquecer quem é.
As impressões por si só não oferecem a segurança que precisamos. Inclusive o julgamento pelas aparências frequentemente nos frustram porque as pessoas nem sempre parecem ser quem são.
É uma armadilha negar ser quem é. Pior é cobrir-se com aquilo que é passageiro, porque no fim, o que resta é você. Diante de Deus, nada está encoberto. Não tema dizer a Ele o que passa em seu coração. Ele vai te ouvir e te ajudar se for sincero. O jogo do esconde-esconde uma hora perde a graça. Falar algumas palavras em inglês pode fazê-lo parecer culto para as pessoas, mas somente dominar a língua o faz ser capaz.
Muita gente cai na armadilha do parecer por se sentir envergonhada de quem é porque acredita que a felicidade está acessível apenas aos "perfeitos". Não perceberam ainda beleza nas singularidades e que as pessoas não são inferiores ou superiores, apenas diferentes. O que o deixa bonito e o faz admirado é devolver um dinheiro achado que não te pertence, é pagar suas contas ao invés de optar em comprar uma roupa da grife só para manter a pose de gente "legal". O que o faz bonito é se satisfazer com sua beleza interior, seu coração humilde, seu comportamento sincero e suas palavras doces. Tem muita gente que despreza isto, luta com a própria vida e até perde amizades para preservar o cargo que tem; parece ser feliz lá, mas na realidade, está perdido no meio de falsas exigências sob pena de ser exposto além das aparências. Uma hora se cansa e a "casa cai".
No mundo há mais de seis bilhões de pessoas, entre elas existe você. Pode optar viver onde ninguém o encontrará, ainda sim, continuará sendo você porque não se pode perder alguém tão especial.
Embora esta reflexão ajude a sentir-se cheio de fé, compreenda que nossa identidade só pode ter uma referência: o caráter de Cristo. Substituí-Lo por outra pessoa dará à sua vida uma direção para longe dEle e de si mesmo. Pode-se admirar pessoas e aprender muito com elas, pode-se ter diante de sua vida exemplos que irão te inspirar a viver uma vida melhor, mas nunca colocá-las acima da referência de Cristo.
Deixe Jesus Cristo encher seu coração do Seu amor a partir de hoje, este nobre sentimento te ensinará a amar-se e também doar amor. Não importa o que passou, o que fez de errado ou danos que considere ser irreparáveis. Deixe de se culpar e comece hoje uma nova vida, direcionada à restauração da alma e dos relacionamentos quebrados, a começar consigo mesmo. Esta crise não se resolve só, busque ajuda com alguém capacitado e da sua confiança para encontrar em Deus a cura das feridas em seu coração.
Mesmo que ninguém diga isto, você é muito especial além da sua aparência, pois o que o faz lindo é seu sorriso, sua maneira respeitosa de tratar os outros, sua expressão de amor por sua família, sua fidelidade, generosidade praticada com os mais desfavorecidos, suas palavras de ânimo ao que sofre em tempos de dor, sua disposição para perdoar, sua indignação com intenções injustas, sua fuga de situações suspeitas de imoralidades, sua humildade para reconhecer o erro ao invés de procurar culpados, sua paciência para esperar o momento certo para as coisas certas, seu coração bondoso... Esta identidade é um bem precioso.
Oro para que possa aceitar-se e ser cada dia mais cheio de felicidade consigo mesmo.
Ericson Martins
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