Em uma breve reflexão e análise sobre o contexto do ensino missiológico nos últimos 24 anos e a presença da Igreja na atividade transcultural de proclamação do evangelho, desejo fazê-lo sentir-se desafiado comigo para este empreendimento : missões, um tema ainda pouco desafiador, mesmo sendo uma ordem dAquele a quem chamamos Senhor.
No início dos anos 90 a Igreja pragmaticamente estava focalizada em sua identidade no papel principal da transmissão do Evangelho. Foi um tempo em que a consciência eclesiástica afirmava com veemência quem éramos e quais eram nossas verdadeiras funções na terra. O resultado foi um tempo de intensos trabalhos evangelísticos e envio em massa de missionários aos campos, esta foi a hasteada bandeira da Igreja.
Depois, por volta de 95 iniciou-se que eu poderia chamar de “auto-análise”. Com os missionários nos campos a igreja passou a viver dos seus testemunhos e relatórios. Foi um tempo de freqüentes conferências e cultos missionários cuja ênfase estava nas estatísticas e números, especialmente se tratando da famosíssima Janela 10/40 difundida com grande destaque nesta época. Baseada nesta modificada identidade, se destacaram os pesquisadores, movimentos e agências para ajudar a Igreja definir o que era a Janela 10/40, onde estava a concentração de nações menos evangelizadas e quais chances para alcançar os grupos ainda intocados pelo evangelho. Foi um tempo para definir a largura, extensão e profundidade do restante não alcançado em nossa geração e do que ainda precisava ser feito. Um tempo importante e necessário.
Nestas duas épocas a Igreja deu dois importantes passos : fundamentação missionária voltada para sua verdadeira identidade e o conjunto de estudos dos grupos alvos do esforço missionário. Mas através do massivo envio missionário, percebeu-se a existência de uma brecha entre o ideal missionário e sua realização, assim entramos em um novo período que nos disse ter faltado algo.
Como toda igreja embrionária missiologicamente falando, os candidatos para missões no início foram primeiramente levados a instituições de preparo onde a maioria de seus professores não teve a oportunidade de serem expostos a realidade transcultural. O reflexo veio logo em seguida : o triste retorno frustrante de muitos que um dia partiram cheios de expectativas. Onde estão ? Como estão ? O que fazem ? São perguntas difíceis de responder.
Com o retorno de tantos missionários a Igreja enfraqueceu-se na ousadia para reparar os erros, replanejar o preparo e enviar novos para o campo. Sob internas e ocultas justificativas ficou em silêncio até que veio a visão chamada de “celular”, um prato cheio de oportunidades para crescimento e ajuntamento local. Era tudo que a Igreja precisava para desviar a atenção de sua responsabilidade transcultural. Hoje ela está concentrada apenas em sua localidade e não estaria “pecando” se não estivesse abandonando missionários no campo, deixando de investir, desafiar pessoas, ensinando e sendo compromissada em orar por nações carentes de Jesus. É comum ouvir hoje : “estamos na visão”. Qual ? Porque os países na América do Sul são os menos evangelizados no Continente, para se ter uma idéia, o Uruguay tem menos de 5% de população evangélica, igualmente a Colômbia. Onde estão os missionários ? Onde estão as igrejas que oram, treinam e investem expressivamente. Volto a perguntar : Qual visão estamos ? Tudo indica que estamos na visão sobre nós mesmos, razão porque estamos sofrendo uma crise teológica. Não se fala mais sobre o pecado, volta de Jesus, renúncia, obediência ... senão das bênçãos materiais, cura, milagres, profecias, ... e principalmente da “visão”. Há até retiros e conferências da visão celular. Nunca os Seminários e Centros de Treinamento receberam tantas pessoas que exercem funções de lideranças, mas que não têm noções básicas a respeito da bíblia porque lhes faltou ensino profundo e transparente sobre ela. Não conseguem defender sua própria fé. Com a chamada “visão celular” e sob a responsabilidade de alguns que a dirige, pessoas estão sendo levadas levianamente ao exercício de autoridade eclesiástica precipitadamente para garantir o acelerado crescimento da Igreja em torno dela mesma.
Estamos vivendo a era da “superficialidade” onde tudo é aceitável e nada questionado. Estamos nos preocupando demais com valores passageiros e nos esquecendo da nossa principal missão que é a evangelização inter e transcultural para que todos possam reconhecer que Jesus Cristo é o Senhor. Esta foi Sua orientação.
Em toda a América Latina no ano 2000 havia 36.900,030 evangélicos para 10.192 missionários enviados por ela e entre ela mesma (Intercessão Mundial, Edição Século XXI, 2003). Isto significa que havia nada mais e nada menos que 3.611,297 cristãos para cuidar de cada missionário. Por que estes pouquíssimos missionários ainda padecem no campo por falta de apoio da Igreja ? Em que “visão” pregamos estar ? Por que não temos nem 1% de missionários quando representamos uma Igreja aparentemente grande ? Por que ainda vemos igrejas com milhares de pessoas e ainda não têm sequer 1% de missionários treinados e enviados como fruto dela ? Em que visão estamos ?
Tempos atrás estive conversando com um missionário que tem feito um resultante trabalho em Maués-AM. Perdeu todo sustento de seus mantenedores porque precisou de férias com a família depois de três intensos anos de trabalho nas comunidades ribeirinhas. Sem recursos para voltar a Maués, o trabalho lá parou. Está agora fazendo de tudo para encontrar apoio mas sem grandes resultados e ainda tendo que conviver com a angústia de saber que seu trabalho em Maués está sofrendo por falta da continuidade. Até quando vamos fazer de conta que não vemos estes problemas ? Até quando ?
Ericson Martins
contato@projetoperu.com
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