Por Que Exímios Líderes Deprimem ? 2


PARTE 2

       Vivemos em uma época em que os padrões fundamentais de afirmação existencial no tocante à espiritualidade e conseqüente moralidade se encontram de "ponta-a-cabeça", ao ponto que a mensagem do Evangelho neste contexto, muitas vezes, é tratada como sendo anacrônica, de linguagem abstrata e pressupostos submetidos ao relativismo pós-moderno.

       Toda instituição eclesiástica e empresas esforçam-se para encontrar líderes bem preparados, dotados com especiais habilidades e disciplinados pela combinação entre visão, missão e realização. Para atender esta expectativa e necessidade na construção do bem sucedido trabalho, muitos admitem precipitar-se em uma competição por oportunidade de exercício que lhe confere o poder da influência, satisfação financeira, realização de sonhos antigos e até mesmo solucionarem inquietações emocionais não resolvidas. Isto explica muitas crises institucionais. Por quê ? Porque envolvem líderes que não são guiados pelas motivações corretas da liderança. Quando um subalterno falha, ele sofre mais diretamente os efeitos, mas quando é um líder, todos sofrem.

       Por não ser examinada honestamente a natureza primordial das depressões, o comportamento do líder tende a desenvolver uma avalanche de dissimulações sobre sucesso, aumentando com isto as dúvidas sobre suas reais motivações, caráter e vocação. Inevitavelmente a responsabilidade de induzir pessoas a descobrir e explorar o máximo do seu potencial se perde por colocar-se no centro do processo de liderança.

       O empreendedorismo secular supervaloriza resultados, o ativismo é sinônimo de paixão e o marketing pessoal fundamental para engrandecer o nome. Pastores e líderes eclesiásticos, quando se simpatizam por estes valores tentam justificar suas vocações pela habilidade de entreter massas, produzir números e manipular informações comprometedoras dos fiéis sobre o que ocorre nos "bastidores". Assim, o compromisso da integridade para com o chamado Divino perde a atenção devida.

       Gostaria de listar algumas que considero serem as principais deficiências na liderança contemporânea :

01. Perspectiva humanista

Se o caráter e a liderança do líder forem formados segundo o modelo de Jesus, por esta identificação pessoal de vida e realizações, todas as suas atividades, resultados desta relação, darão testemunho da centralidade que Ele ocupa no papel da liderança espiritual.

João capítulo 1 descreve Jesus assim : o "Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus ..." (v.1). Depois conclui : "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (v.14). Deus se identificou com o homem e nesta condição (Fl. 2:7), tudo o que fez teve um foco : fazer a vontade do Pai (Jo. 4:34). A Bíblia diz que Ele, "subsistindo em forma de Deus, não julgou o ser igual a Deus" (Fl. 2:6); assim, portanto, revelou o Pai (Jo. 14:9).

Liderança, na perspectiva bíblica, tem haver com a identificação do servo com seu Senhor e nunca consigo mesmo. Jesus não reivindicou o direito de ser [não se trata de natureza, mas de posição circunstancial] igual a Deus, antes, assumiu a "forma de servo" conforme lemos em Jo. 13:14. A toalha (Jo. 13:3-4) era usualmente usada em ocasiões semelhantes por escravos, mas Ele tomou a toalha e lavou os pés dos discípulos num ato de linda e completa humildade. Olhando para o modelo de liderança de Jesus descobriremos que liderar tem base naquele que designa para o serviço. Neste caso, tudo deve ser para honrar o nome de Jesus nesta geração. Ao desprezar esta prioridade, o homem entra em um círculo infindável de rotinas sem propósito eterno, pois se limita a si mesmo.

Por causa do pecado, o homem é inclinado a desprezar a graça, prefere a meritoriedade como forma de justiça própria. Pensa que suas produções intelectuais, habilidades para gestão, capacidade de aglutinar pessoas, realizações milagrosas e orações fervorosas devem ser recompensadas com afirmações positivas dos outros, excessiva atenção ao que fala e faz, oportunidades de poder, salários desnecessariamente altos, confortos sofisticados, ... pensando que estes sinais provam a boa qualidade de sua espiritualidade.

Quando o líder focaliza o trabalho que deve ser feito e não a razão de fazê-lo, quando exalta o resultado e não a qualidade, seu desempenho pessoal e não o dos outros, confia na estratégia e não no princípio, consulta a estatística de sua popularidade para medir sua aprovação, incorpora um conjunto de competências profissionais sem consideração espiritual, e/ou atribui seu sucesso unicamente ao seu esforço para criar alternativas, administrar e multiplicar seus ideais pratica o humanismo.

O humanismo começa no homem e termina no homem. Não tem valor para Deus tudo o que o líder humanista produz, porque este considera o homem um ser autônomo de positiva capacidade de construção (Mt. 7:21-23). Para ele, Deus não é Senhor, mas servo naquilo que está intentado realizar. Ele só pensa nele, não está disposto a sacrificar suas maiores ambições quando Deus lhe pede o contrário. Está o tempo todo preocupado com sua imagem, com as críticas, com aquilo que as pessoas pensam sobre ele, com as estatísticas do seu ministério, com a produção financeira, etc., pensa que tudo deve ser feito por meio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.

02. Instabilidade Emocional

Outro grande problema no ambiente da liderança é quanto a sua baixa-estima. Preocupados excessivamente com as expectativas que os outros lhes atribuem :

a) Muitos líderes precipitam no ativismo e comprometem a estrutura de suas próprias famílias (casamento e relação com filhos), negligenciam a vida devocional regular, não cuidam da saúde física, dispensam dia de folga, perdem o valor do tempo para leitura de bons livros, fazer cursos de atualização, etc., além de personalizar seu ministério, de modo que se deixar a ocupação o próximo não terá condições de adaptar-se em menos de 3 anos. Prazo suficiente para desmotivar a vitalidade ministerial do novo líder e também da igreja.

b) Viciam na evidência pública e não sabem lidar com a oposição de idéias, como críticas construtivas. Temem constantemente ser questionados em sua "zona de segurança". Há dois modelos de liderança centralizadores : paternalista que diz : "sem mim vocês não fazem nada"; e o autocrático que diz : "sem vocês eu posso fazer tudo só". Ambos os modelos são modelos deficientes de liderança por seu aspecto emocionalmente frágil.

c) Sofrem de ciúmes sobre aqueles que possuem dons estratégicos que ele não possui. A maneira como mais agem é lançando dúvidas quanto a credibilidade ministerial destas pessoas numa louca tentativa de dizer : "não tirem a atenção de mim". Sentem-se constantemente ameaçados em suas posições e para não correr este risco, criam ambientes de inadequações àqueles que demonstram potenciais fortemente relevantes para o Reino de Deus, a fim de empurrá-los para uma a prática periférica em relação aos principais interesses. Não há compatibilidade entre insegurança pessoal e confiança nos subordinados para realização de um trabalho. O líder inseguro sempre interferirá nas áreas que ele mesmo confiou a outros sem "pedir licença" por causa, justamente, da sua inquietante insegurança.

d) Enfraquece sua identidade pessoal, esta é a razão porque plagiam textos, modelos ministeriais, personalidade de pessoas admiráveis e supervalorizam o marketing pessoal, ou seja, dão ênfase a uma aparência maior que sua realidade. O marketing é uma estratégia de provocar os interesses das pessoas sobre um produto. Aplicado à liderança, é a estratégia cativar ou escravizar as expectativas dos outros sobre si, satisfazendo prioritariamente seus interesses para garantir a permanente aceitação delas. O marketing pessoal é uma estratégia muito praticada por líderes que querem igrejas cheias como sinal de sucesso pessoal e visibilidade pública em busca de melhores "oportunidades". Isto certamente não tem coerência com o modelo de liderança de Cristo que se baseia em dar glória somente a Deus pela humilhação de não "usurpar" a atenção que deve ser dada somente a Ele.

Kevin Mannoia em "O Fator Integridade" argumenta que ser um servo de Deus tem pouco que ver com atividade e muito ver com identidade. Quem somos não se baseia no que fazemos nem na quantidade de pessoas que agradamos, mas nAquele a quem servimos (p.41). Ken Blue em "Abuso Espiritual" acrescenta : "Mesmo a ambição de Jesus em servir a nós todos - tornando-se Servo, o maior de todos - era baseada em uma calma confiança naquilo que Ele era" (p.87).

03. Conflito entre autoridade e submissão

Um dos maiores causadores de dissensões no mundo eclesiástico é quanto à autoridade. Todos os cismas registrados na história foram marcados pela manifestação de uma ordem intelectual contradita de minorias em relação às orientações da maioria.

Não resta dúvida de que nossa época está cada vez mais caracterizada pela desordem ou desunião institucional. É neste cenário que líderes surgem com a boa motivação de organizar ideias, reajustar a estrutura, rever necessárias melhorias, tapar arestas, dentre outras carências. Contudo, somente as intenções não resolvem. Por isto, iniciam um movimento de mudanças. As mudanças sempre custam muito, como alteração da rotina, corte nos gastos, mais leitura, maior dedicação de tempo às prioridades, perda no conforto, confrontações, ensaios, novas exigências, etc.. O princípio da autoridade e submissão é essencial como modelo bíblico para a conservação das boas tradições ou iniciativa de mudanças que realmente se apresentam como necessárias. Do desequilíbrio de uma das partes surgem abusos de autoridade ou rebelião.

Líderes se consideram dotados de autoridade para dar uma direção e esperam submissão dos seus subalternos na missão que lhes foi delegada. Infelizmente é comum ver líderes se mostrando indispostos para com suas lideranças institucionais. Em outras palavras : é muito mais comum a insubmissão de quem já é uma liderança do que naquelas que ainda não ocupam funções de autoridade. Exigem dos outros o que menos exigem de si mesmos. Outros nem aceitam liderança sobre eles e saem abrindo novas frentes de trabalho independentes para não ter a quem prestar contas, para não ter a quem dar satisfação do seu comportamento moral, espiritual, ministerial, movimentação financeira, estratégias de trabalho, pensamentos regentes do ponto de vista doutrinário e processos de treinamento. Agem assim incoerentemente com o princípio de autoridade, pois esperam submissão, mas a quem e como estão submissos ? Esperam harmonia no pensamento e prática dos liderados, mas a quem e como submetem seus pensamentos e práticas ? Ensinam e exigem humildade e obediência, mas a quem são humildes suficiente para obedecer a orientações muitas vezes contrárias dos ideais pessoais ? Cobram fidelidade de dízimos dos fiéis, mas estão sendo fiéis em repassar o dízimo dos dízimos aos órgãos superiores como orientado em quase todas as Denominações evangélicas ?

Certa vez uma missionária me perguntou no Peru qual a diferença entre autoridade e autoritarismo. Em resposta disse que a autoridade estabelece normas aplicáveis rigorosamente aos outros e a ela, mas que o autoritarismo aplica o rigor das normas apenas aos outros. Na política isto é chamado de imunidade parlamentar ou privilégios do ofício, porém, a Bíblia denomina esta "imunidade" de farisaísmo pela falsa aparência de moralidade afinada, autoridade legítima e piedade. No fundo cobram, mas não aceitam ser cobrados; questionam os outros e se compara para provar estar certo, mas não aceitam ser questionados e comparados pelos outros; cuidam da sua "sala" e menosprezam todo o "edifício". Isto acontece por um forte conflito da natureza humana com respeito à autoridade daqueles que foram responsabilizados para liderar. Não há autoridade genuína que não se baseia em submissão consciente. Submissão traduz maior amor ao próximo que a si mesmo, enquanto a insurgência prova maior amor a si mesmo que ao próximo.

Muito desses comportamentos tem sido provocados, por outro lado, pelo abuso de alguns que se julgam autoridades absolutas sobre os outros. Praticam chantagem emocional com uso malicioso da Palavra de Deus, limitam o acesso à informação, proíbem sem razões fundamentadas, usam indevidamente textos sagrados para justificar o asceticismo religioso, praticam legalismo, exploram as finanças do povo de boa fé pressionando repedidas arrecadações, sacralizam símbolos e ritos cerimoniais, não honram seus compromissos, raramente pedem perdão ou reconhecem erros publicamente, manipulam a consciência dos fracos, etc..

Ninguém na história foi tão revolucionário quanto Jesus, como ninguém nunca foi tão servo quanto Ele. Oswald Sanders em "Spiritual Leadership - Principles of Excellence for Every Believer" (p.24) diz que o ensino de Jesus no serviço e sofrimento não estava intencionado meramente em inspirar o bom comportamento. Jesus quis impactar o espírito de servo, o sentido pessoal de compromisso e identidade que Ele expressou quando disse : "Pois qual é maior : quem está à mesa ou quem serve ? Porventura, não é quem está à mesa ? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve" (Lc. 22:27). Mesmo Jesus como Messias enviado estava sob a missão do Pai em inteira submissão (Is. 42:1; Mc. 10:42-45; Jo. 5:36, 14:28). Todo líder necessita estar debaixo de uma autoridade e a ela conferir honestidade, respeito e submissão. Isto é necessário porque somos pecadores e sozinhos somos capazes de desenvolver ainda mais o orgulho, vaidade e independência do corpo institucional e orgânico da Igreja; e porque Jesus é nosso modelo de liderança segundo o padrão de valores éticos de governo no Reino de Deus.

Com amor,


Ericson Martins
contato@brmail.info

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3 comentários:

  1. Ótimo texto... que deveria ser usado em palestras, aulas, escolas dominicais... Aonde o assunto fosse liderança, esse texto deveria ser usado!!!

    Que Deus continue te usando!

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  2. Como vai Elizabete ? Obrigado por suas considerações. A próxima reflexão apresentará uma resposta bíblica para os problemas levantados e aplicações contextualizadas à liderança cristã. Fique atenta. Um forte abraço !!!

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  3. Gostei deste seu espaço,
    serei uma seguidora ,
    Efigênia Coutinho
    In New York

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